30 de abril de 2010

aceitar é ser livre

não precisa de cuidado para serem escolhidas
sao colhidas ao pé da garganta
que anda no chão seco de gente
que entende de menos
sabemos
que busca no terço
um berço, conforto, alento
do talento que a gente não tem
do bem que é sentir inteiro
ligeiro e lento do que é viver
querer ser livre e preso
coeso, um, o mesmo
de se entregar e se tomar de volta
de seguir só e acompanhado
atordoado de destino e de vida
não precisa de cuidado para serem escolhidas
palavras brotam do chão do ar e do ar
aceitar é ser livre

28 de abril de 2010

dias sem sol II

Fui para o estacionamento. Olhei o carro. Intacto. Dormindo. Olhei os pneus. Nada. Só o ar. Entre, liguei, aumentei o som. Sai, observando o portão levantando-se mais lento que meus pensamentos. Pensei no trajeto e segui, mecanicamente. Mas nesses dias sem sol, meu pensamento é absorto, solto, sem nexo. Nada é mecânico. Errei o caminho, sem perceber. Percebi. Tarde demais. Volto. Não quero uma nova rua que me leva a mais um erro. Sigo no automático. No meio da música, canto a próxima. E erro o caminho de novo, e de novo, e de novo. Não me irrito: me aceito como sou sob os dias sem sol. Sigo apenas. Uma hora ou outra me acho de novo. Espero.

26 de abril de 2010

dias sem sol

Eu me deito e espero a água correr pelo meu corpo, turva que me lava até ficar límpida sob meus pés. Não é o mar que corre dentro de mim que me acalma. Mas ele é como morfina, anestesia para meu corpo que se fecha. Não quero respirar porque tenho medo de perder o sopro da vida. Respiro devagar, dolorido, sentindo o gosto e o tempo de cada segundo inerte. Meu corpo parado estanca todos os poros. Minha eternidade se faz. Fico parada. Seguro o tempo na palma estática. O mar que corre para fora de mim leva tudo o que tenho e deixa meu corpo quieto. Nesse dia, um sangue branco sem pulso corre por mim e me deixa vaga. Nesse dia, a felicidade inteira e exagerada dá lugar a não-felicidade. Ela não é tristeza. Ela não é não-viver e não-sonhar. Ela é apenas longe da loucura dos meus outros dias. Mas eu me abasteço nela. Eu me limpo de tudo para senti-la. Dou lugar ao vazio que nunca habita em mim, à quietude que nunca me encanta. E acho que por isso tenho tanta energia para todos os dias de sol. Porque quando esse mar me lava, ele me tira todos os medos, todos os sentimentos. Me deixa seca, sem orvalho. Assim, à deriva, sem pensamento ordenado. Pronta para os outros dias de loucura que seguem.

23 de abril de 2010

sou isso

Mergulho de corpo inteiro. Não sei fazer diferente. Gente tem que ser gente por completo. Uma nova paixão é como vício. Transpira pelos poros, salta os olhos, gela as mãos, inebria o ar, prende a boca que solta pra falar, sem controle, sem pudor, sem reservas. Não tenho uma reserva. Tenho passaporte livre para uma vida sempre em cor de rosa. Me hospedo na urgência calma de um dia após o outro. Habito a rede que balança, no meu balanço lento, parado, que mexe minha alma inquieta, que me transporta para o além vida. Fico quieta com o pensamento apressado, que corre mais rápido e me atrapalha nas palavras soltas, sem sentido. Dizem que é coisa de aquariano. É coisa de gente que vive, que se entrega, que se busca. Na minha busca de sempre, pelo ar apertado que circula na pele, pelo beijo doce que me sacia a fome, pela vida louca que me deixa calma. Na minha entrega por tudo, pelos cantos, pelo fundo, pela porta. Entrega inteira de partes que se moldam, se completam, se encantam, se fascinam. Do meu fascínio pelo vicio, pela aurora, pela madrugada, pela chuva. Da minha chuva que me encharca, que me cobre e transborda. Não sei ser diferente. Nem espero ser. Sou isso, sempre.

porta



eu tenho uma porta
que bate fecha quando grito
que corre atrás da tranca
trinca no meio quando chove
segura o vento quando corre
corta o cheiro do lado
mas bate bate enlouquece
me tira da campainha

ela bate e me esquece
porta que importa
torta ela segue
vida própria
sem sentido
como eu

21 de abril de 2010

camaleoa

sou camaleoa, por dentro, por fora
mudo sempre
muda nunca
só quando a pele se cala
camaleoa de alma
de janela sempre aberta
espiando pela porta
cama leoa mansa
que devora
cor, ar e céu

20 de abril de 2010

feliz assim

Eu tenho felicidade de pao de queijo
e de pão amanhecido também
do algodão da colcha à noite
tenho felicidade de café
de aroma e gosto o dia inteiro
tenho felicidade de feijão quentinho
caldinho grosso no frio e no almoço
tenho felicidade de estrada longa
de cheiro de verde, de pasto, de curral
tenho felicidade de inhas e inhos
as mãozinhas do filho
as pedrinhas do jardim
as formiguinhas na sacada, logo cedo
a tardezinha, sem fazer nada
de manha cedinho, acordar leve
não preciso de muita coisa
sou feliz assim, na calmaria e no turbilhão.

19 de abril de 2010

quem entende de saudade?

eu ainda nao tenho minha saudade, dessas que dói por dentro, que nos arranca de tudo. Minha saudade é doce, é feita dos pequenos detalhes que me alimentam durante o dia! Mas eu sei que ela ainda vem... vai me nocautear, vai me deixar jogada no chão, pendindo trégua. E eu rezo para que ela venha logo, pra colorir meu dia ainda mais forte e intenso! Porque eu só sei viver assim, na mais absurda paixão e loucura.

e como eu to doce mesmo.. um trecho de Neruda pra embalar:

"Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já... Saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais... Saudade é o inferno dos que perderam, é a dor dos que ficaram para trás, é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver. O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido".


Pablo Neruda

dorflex

Eu me dei conta que não sei fazer outra coisa. Eu espero. Numa inútil insanidade percebo que o passado ficou trancado na gaveta e quando sonho não sei se a hipnose me traz as lembranças de volta ou se solto meus bichos presos debaixo da cama. E eu tento. Faço um esforço sobrenatural para não esperar. Porque esperar é viver em outra dimensão, entre o sonho e a realidade. Mas eu não sei agora, nesse momento, fazer outra coisa. Tomo um dorflex mastigado amargo e deito. É de propósito. Porque eu sei que as lembranças estão lá, em algum lugar. Só que ninguém me diz onde. Tento o lance da hipnose de novo. Daí vem tudo. Puta merda. Era sonho?

16 de abril de 2010

quieto

ela ta em silêncio, lá dentro, agora...

15 de abril de 2010

teu gosto

tem gosto de pressa
de beijo apressado e seguro
de coisa de rasga, que corta
que me conserta por dentro
tem gosto de chuva
de tarde de domingo
de doce, de doce
tem vício e loucura
que me acorda
tem passado e espera
de cheiro de pele
gravado na língua
da tua boca pequena
do teu furo no queixo
tem um sinal de perigo
que ignoro, ignoro
que me salta por dentro
que me joga pra dentro
tem gosto de madeira
de vinho, de vinho
que me tira do chão
no meio do escuro
me lança pro mundo
me devolve, devolve
me rouba, me tira
me desconserta
de ponte, de porto
e me faz, de novo, no novo
ficar assim

13 de abril de 2010

eu joguei pedra no poeta

“ (...)porque um poema propriamente não tem significado, ele é o seu próprio significado. Por isso, os poetas são intraduzíveis. O poeta teria, em relação à linguagem , uma transa apaixonada e essa relação podia se manifestar de duas formas, uma forma masoquista e uma forma sádica. Essa paixão assumiria, em primeiro momento, uma forma masoquista. O poeta seria uma vítima da linguagem, a linguagem exerce uma violência sobre ele e ele sofre essa violência. Num outro momento, no momento sádico do processo, o poeta, o artista, o escritor, o criador, passaria a ser algoz, a ser carrasco da linguagem, e daí a inverter o jogo”. (Paulo Leminski)

Eu joguei pedra num poeta certa vez. Achei que a poesia era apenas armadilha, pretexto. Joguei pedras e incompreensão. Acusei de loucura, acusei de covardia. Aquele papo idiota de viajar pra dentro de si mesmo. Mas a rima sem rima me prendia. Uma dose de Jorge Luis Borges me embriagava. Mas mesmo assim eu teimava em acusar o poeta. Taquem pedra nele! Ele é louco. Ou se faz? Mas eu acho mesmo que a poesia dentro de mim gritava quando via aquilo tudo explodindo a cada noite, dentro dele. Gritava e sufocava pra sair também. Eu nem dava olhos, ouvidos. Ela ficou ali, quieta, guardando todo o rancor que pudesse juntar contra mim. Ficou ali dentro, observando, vendo meus deslizes, vendo meus sonhos e rindo de mim. Ficou lá e uma vez ou outra dava uma batida discreta na porta e fugia. E a filha da puta me deixou mesmo quando eu precisei. Quando eu tinha que escrever textos pra comprar pão (e ela sabia que ajudaria), simplesmente me abandonou. Daí fui eu quem gritou. “Vá embora, desgraçada. Quem precisa de você?”. Mas ela não foi. Ela ficou ali esperando meu choro, meu delírio, esperando mais um lamento, mais uma busca. E agora vem quando eu não quero, vem quando eu quero, vem quando estou no caos, vem quando estou na serra, vem quando eu quero noite, vem quando acordo dia. Eu dei liberdade a ela... e desde então vivemos assim. Na entrega espontânea. Quando ela vem eu me entrego, quando ela não vem, também.

11 de abril de 2010

gosto

Pedro tem os sentidos apurados. O paladar sente o seco do ar, que irrita a garganta apertada. Ele sufoca de penumbra durante o dia e apaga os olhos quando ve o sol. Ele sente o cheiro pela boca. Sente o gosto do amargo doce perfume que passa pelas manhas na sua janela. É pela boca que ele ouve a batida do coração. É na garganta que ele dispara. Pedro não fala e estanca qualquer palavra que fica martelando a noite no travesseiro. Mas as palavras têm gosto na boca de Pedro. Gosto de esquecimento. De memória perdida. De tudo que Pedro disse e não se lembra. E por isso Pedro se sente inteiro, mesmo em pedaços. Porque sem memória, sem passado, Pedro é busca e entrega constante. Busca o gosto do sonho, do impossível, da estrada. O gosto do ar, na janela do carro, fascina. E Pedro segue.

Eu nunca sei se ele volta. Mas quando passa, Pedro me deixa entre a felicidade e a exaustão. Entre o delírio e a verdade. E eu fico aqui, sempre na espera por Pedro, por mim.

9 de abril de 2010

Cala boca, Pedro!

Eu ontem: Ah Pedro. Fala sério. Esse papel em branco aqui é pra quê? Ta louco? Vai escrever.

Ele hoje: Luciana. Meus papeis em branco sobre sua mesa, sob sua cama, são apenas para te lembrar que grito por você. Te grito a liberdade e você insiste em me manter preso, atrás dessas estúpidas esperas que você insiste em contar. Cansei. Esse papo de louco me confunde. Compra um vinho, fica de chinelo. Senta na sacada e observa o vento. Pára. A estrela cadente é coisa de gente decadente. Vai me procurar no bosque. Alias. Pára de me procurar. Estou dentro de você, caramba. Que merda. O carinho não vale? A mão não te segura mais? Tenta de novo. Eu to aqui. A folha em branco é apenas para você me libertar. Tenta agora, no meio do caos. Vai ver como sou azul, da cor que você sempre pinta na janela. Até breve.

Eu hoje: Nossa. Grosso! Fica quietinho ai, na tua! To sem tempo pra ficar te escrevendo. Bendita hora que te trouxe de volta pro meus contos. Pedro infeliz. Não sabe esperar? Que coisa....

da espera

os olhos pedem calma
à alma que corre o rio
de sede, a parede
que consome o ar
no calor sabor do chão
um passo apressado
inquieto dos vícios
de surgir partir ao meio
no contrário da presença
que dói me constrói
com brisa e sonho
para todos os dias vadios
intensos soltos amarrados
do gosto seco de pele arde
que busca encontra inteiro
nas partes, artes de se fazer
contradição oposto extremo
que completam o sentido
do fogo doce que
me consome aos poucos

8 de abril de 2010

Da construção que se faz
tenho apenas uma carta de baralho
que o vento entra e vira pedra
Do que se faz construção
do baralho tenho todas as cartas
que a pedra rolou no vento
Que se construção faz
o baralho que me tem
da pedra que estancou o vento
que libertou o mar

olhe

aqui
do
lado
fora
dentro
lado
aqui
escuta
ta vendo?
aqui!
passou...

7 de abril de 2010

funciona assim

desliga liga desliga liga
desliga liga desliga liga
desliga liga desliga
liga
desliga

eu sou assim,nao vou mudar. Tento, até tento. Mas não depende de mim. Depende do botãocomvidaprópria. Aff. Ligou de novo, botão filho da mãe.