17 de maio de 2010

do que o dia é feito

do chão corrido
de chão batido
de calo no pé
de nó na garganta
de pedra no caminho
de sabor amargo
de dia nublado
de batida de carro
de fúria, de injúria
de relógio quebrado
de tempo apressado
mas todo dia tem sabor
de descoberta
de desafio
de encontro
de gosto doce
de beijo quente
de cachorro no quintal

viver é dosar
dia após dia
do que o dia compõe

no inverno

é no inverno que me aqueço
ele traz o conforto do frio
e a inconstância do sol
as palavras saem pela janela
dão uma volta na grama úmida de orvalho
voltam pra dentro de mim
e me aquecem
saem de novo
brincam de montanha russa
jogam queimada debaixo da chuva
e voltam de novo
saem borbulhando quando o café entra
e ficam estáticas quando deito no sofá
pra aquecer os pés
mas ele me conforta
mesmo quando esconde meu sol

9 de maio de 2010

meu sol

Ele bateu na porta e entrou devagar. Tomou meu ar, me trouxe o sol e hoje minha manhã tem cor de brisa leve. Ele entrou com calma, sem pressa. No meu tempo exato, mesmo depois de tanto tempo. Ele me fez tocar o ar, a noite e o céu. Ele me desperta e me acalma. Ele me encanta e me fascina. Seu beijo me cobre, me cuida. E agora sonho de olhos acordados...

6 de maio de 2010

Aff

Ninguém é maior que ninguém. Erros e acertos não fazem um maior que o outro. Eu não sou maior por perdoar. Não perdoei. Já disse: é falha de memória. Mas a mim, sim, já perdoei faz tempo. Sabe por quê? Porque descobri que depois disso tudo é que eu realmente sou feliz. Detesto gente que se coloca acima, com discurso ácido. Eu bato no peito mesmo!!! E vou bater sempre. Não tem essa de que “um dia pode acontecer com você”. Comigo não Biallll. Sou mais forte. As escolhas sou eu quem faço. Nenhum copo de cerveja a mais vai me culpar de nada. Tenho orgulho de não ter traído. Mas nem sempre foi assim porque na verdade eu trai a pessoa que mais amo nessa vida: eu mesma. Traí no momento que me deixei trancada lá fora, iludida num conto de fadas. Sabe o que é melhor? Assumir que cada um erra mesmo e pronto. E a gente passa a vida tentando acertar. Acertar e errar nao se resolve na simples soma matemática de que "errei para acertar la na frente"... isso é querer botar a própria culpa no pobre do destino... E discurso de que sou melhor e o mundo está bem abaixo de mim, tambem não serve. Só diminui. Humildade pra reconhecer é tudo! Quem tem, sabe o preço disso. Mas agora pensa... não é um alivio saber que estou bem e feliz, como nunca estive antes? É sim.... é só parar e pensar. Pelo menos na lista de pontos, estamos empatados.

3 de maio de 2010

sol que toca

mergulhei no sol essa noite
sai leve, pisando sobre a água
de uma leveza de alma
o sol transbordou meu corpo
com seu toque quente
de mãos largas
e iluminou cada poro
agora tenho os olhos acesos
e as palavras calmas
tenho um gosto doce na boca
e a garganta molhada de novos sentimentos
de espera, de verde e de rio
eu nao sei quando o sol se põe
mas agora ele mora em mim
e me deixa viva, inteira

30 de abril de 2010

aceitar é ser livre

não precisa de cuidado para serem escolhidas
sao colhidas ao pé da garganta
que anda no chão seco de gente
que entende de menos
sabemos
que busca no terço
um berço, conforto, alento
do talento que a gente não tem
do bem que é sentir inteiro
ligeiro e lento do que é viver
querer ser livre e preso
coeso, um, o mesmo
de se entregar e se tomar de volta
de seguir só e acompanhado
atordoado de destino e de vida
não precisa de cuidado para serem escolhidas
palavras brotam do chão do ar e do ar
aceitar é ser livre

28 de abril de 2010

dias sem sol II

Fui para o estacionamento. Olhei o carro. Intacto. Dormindo. Olhei os pneus. Nada. Só o ar. Entre, liguei, aumentei o som. Sai, observando o portão levantando-se mais lento que meus pensamentos. Pensei no trajeto e segui, mecanicamente. Mas nesses dias sem sol, meu pensamento é absorto, solto, sem nexo. Nada é mecânico. Errei o caminho, sem perceber. Percebi. Tarde demais. Volto. Não quero uma nova rua que me leva a mais um erro. Sigo no automático. No meio da música, canto a próxima. E erro o caminho de novo, e de novo, e de novo. Não me irrito: me aceito como sou sob os dias sem sol. Sigo apenas. Uma hora ou outra me acho de novo. Espero.

26 de abril de 2010

dias sem sol

Eu me deito e espero a água correr pelo meu corpo, turva que me lava até ficar límpida sob meus pés. Não é o mar que corre dentro de mim que me acalma. Mas ele é como morfina, anestesia para meu corpo que se fecha. Não quero respirar porque tenho medo de perder o sopro da vida. Respiro devagar, dolorido, sentindo o gosto e o tempo de cada segundo inerte. Meu corpo parado estanca todos os poros. Minha eternidade se faz. Fico parada. Seguro o tempo na palma estática. O mar que corre para fora de mim leva tudo o que tenho e deixa meu corpo quieto. Nesse dia, um sangue branco sem pulso corre por mim e me deixa vaga. Nesse dia, a felicidade inteira e exagerada dá lugar a não-felicidade. Ela não é tristeza. Ela não é não-viver e não-sonhar. Ela é apenas longe da loucura dos meus outros dias. Mas eu me abasteço nela. Eu me limpo de tudo para senti-la. Dou lugar ao vazio que nunca habita em mim, à quietude que nunca me encanta. E acho que por isso tenho tanta energia para todos os dias de sol. Porque quando esse mar me lava, ele me tira todos os medos, todos os sentimentos. Me deixa seca, sem orvalho. Assim, à deriva, sem pensamento ordenado. Pronta para os outros dias de loucura que seguem.

23 de abril de 2010

sou isso

Mergulho de corpo inteiro. Não sei fazer diferente. Gente tem que ser gente por completo. Uma nova paixão é como vício. Transpira pelos poros, salta os olhos, gela as mãos, inebria o ar, prende a boca que solta pra falar, sem controle, sem pudor, sem reservas. Não tenho uma reserva. Tenho passaporte livre para uma vida sempre em cor de rosa. Me hospedo na urgência calma de um dia após o outro. Habito a rede que balança, no meu balanço lento, parado, que mexe minha alma inquieta, que me transporta para o além vida. Fico quieta com o pensamento apressado, que corre mais rápido e me atrapalha nas palavras soltas, sem sentido. Dizem que é coisa de aquariano. É coisa de gente que vive, que se entrega, que se busca. Na minha busca de sempre, pelo ar apertado que circula na pele, pelo beijo doce que me sacia a fome, pela vida louca que me deixa calma. Na minha entrega por tudo, pelos cantos, pelo fundo, pela porta. Entrega inteira de partes que se moldam, se completam, se encantam, se fascinam. Do meu fascínio pelo vicio, pela aurora, pela madrugada, pela chuva. Da minha chuva que me encharca, que me cobre e transborda. Não sei ser diferente. Nem espero ser. Sou isso, sempre.

porta



eu tenho uma porta
que bate fecha quando grito
que corre atrás da tranca
trinca no meio quando chove
segura o vento quando corre
corta o cheiro do lado
mas bate bate enlouquece
me tira da campainha

ela bate e me esquece
porta que importa
torta ela segue
vida própria
sem sentido
como eu

21 de abril de 2010

camaleoa

sou camaleoa, por dentro, por fora
mudo sempre
muda nunca
só quando a pele se cala
camaleoa de alma
de janela sempre aberta
espiando pela porta
cama leoa mansa
que devora
cor, ar e céu

20 de abril de 2010

feliz assim

Eu tenho felicidade de pao de queijo
e de pão amanhecido também
do algodão da colcha à noite
tenho felicidade de café
de aroma e gosto o dia inteiro
tenho felicidade de feijão quentinho
caldinho grosso no frio e no almoço
tenho felicidade de estrada longa
de cheiro de verde, de pasto, de curral
tenho felicidade de inhas e inhos
as mãozinhas do filho
as pedrinhas do jardim
as formiguinhas na sacada, logo cedo
a tardezinha, sem fazer nada
de manha cedinho, acordar leve
não preciso de muita coisa
sou feliz assim, na calmaria e no turbilhão.

19 de abril de 2010

quem entende de saudade?

eu ainda nao tenho minha saudade, dessas que dói por dentro, que nos arranca de tudo. Minha saudade é doce, é feita dos pequenos detalhes que me alimentam durante o dia! Mas eu sei que ela ainda vem... vai me nocautear, vai me deixar jogada no chão, pendindo trégua. E eu rezo para que ela venha logo, pra colorir meu dia ainda mais forte e intenso! Porque eu só sei viver assim, na mais absurda paixão e loucura.

e como eu to doce mesmo.. um trecho de Neruda pra embalar:

"Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já... Saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais... Saudade é o inferno dos que perderam, é a dor dos que ficaram para trás, é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver. O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido".


Pablo Neruda

dorflex

Eu me dei conta que não sei fazer outra coisa. Eu espero. Numa inútil insanidade percebo que o passado ficou trancado na gaveta e quando sonho não sei se a hipnose me traz as lembranças de volta ou se solto meus bichos presos debaixo da cama. E eu tento. Faço um esforço sobrenatural para não esperar. Porque esperar é viver em outra dimensão, entre o sonho e a realidade. Mas eu não sei agora, nesse momento, fazer outra coisa. Tomo um dorflex mastigado amargo e deito. É de propósito. Porque eu sei que as lembranças estão lá, em algum lugar. Só que ninguém me diz onde. Tento o lance da hipnose de novo. Daí vem tudo. Puta merda. Era sonho?

16 de abril de 2010

quieto

ela ta em silêncio, lá dentro, agora...

15 de abril de 2010

teu gosto

tem gosto de pressa
de beijo apressado e seguro
de coisa de rasga, que corta
que me conserta por dentro
tem gosto de chuva
de tarde de domingo
de doce, de doce
tem vício e loucura
que me acorda
tem passado e espera
de cheiro de pele
gravado na língua
da tua boca pequena
do teu furo no queixo
tem um sinal de perigo
que ignoro, ignoro
que me salta por dentro
que me joga pra dentro
tem gosto de madeira
de vinho, de vinho
que me tira do chão
no meio do escuro
me lança pro mundo
me devolve, devolve
me rouba, me tira
me desconserta
de ponte, de porto
e me faz, de novo, no novo
ficar assim

13 de abril de 2010

eu joguei pedra no poeta

“ (...)porque um poema propriamente não tem significado, ele é o seu próprio significado. Por isso, os poetas são intraduzíveis. O poeta teria, em relação à linguagem , uma transa apaixonada e essa relação podia se manifestar de duas formas, uma forma masoquista e uma forma sádica. Essa paixão assumiria, em primeiro momento, uma forma masoquista. O poeta seria uma vítima da linguagem, a linguagem exerce uma violência sobre ele e ele sofre essa violência. Num outro momento, no momento sádico do processo, o poeta, o artista, o escritor, o criador, passaria a ser algoz, a ser carrasco da linguagem, e daí a inverter o jogo”. (Paulo Leminski)

Eu joguei pedra num poeta certa vez. Achei que a poesia era apenas armadilha, pretexto. Joguei pedras e incompreensão. Acusei de loucura, acusei de covardia. Aquele papo idiota de viajar pra dentro de si mesmo. Mas a rima sem rima me prendia. Uma dose de Jorge Luis Borges me embriagava. Mas mesmo assim eu teimava em acusar o poeta. Taquem pedra nele! Ele é louco. Ou se faz? Mas eu acho mesmo que a poesia dentro de mim gritava quando via aquilo tudo explodindo a cada noite, dentro dele. Gritava e sufocava pra sair também. Eu nem dava olhos, ouvidos. Ela ficou ali, quieta, guardando todo o rancor que pudesse juntar contra mim. Ficou ali dentro, observando, vendo meus deslizes, vendo meus sonhos e rindo de mim. Ficou lá e uma vez ou outra dava uma batida discreta na porta e fugia. E a filha da puta me deixou mesmo quando eu precisei. Quando eu tinha que escrever textos pra comprar pão (e ela sabia que ajudaria), simplesmente me abandonou. Daí fui eu quem gritou. “Vá embora, desgraçada. Quem precisa de você?”. Mas ela não foi. Ela ficou ali esperando meu choro, meu delírio, esperando mais um lamento, mais uma busca. E agora vem quando eu não quero, vem quando eu quero, vem quando estou no caos, vem quando estou na serra, vem quando eu quero noite, vem quando acordo dia. Eu dei liberdade a ela... e desde então vivemos assim. Na entrega espontânea. Quando ela vem eu me entrego, quando ela não vem, também.

11 de abril de 2010

gosto

Pedro tem os sentidos apurados. O paladar sente o seco do ar, que irrita a garganta apertada. Ele sufoca de penumbra durante o dia e apaga os olhos quando ve o sol. Ele sente o cheiro pela boca. Sente o gosto do amargo doce perfume que passa pelas manhas na sua janela. É pela boca que ele ouve a batida do coração. É na garganta que ele dispara. Pedro não fala e estanca qualquer palavra que fica martelando a noite no travesseiro. Mas as palavras têm gosto na boca de Pedro. Gosto de esquecimento. De memória perdida. De tudo que Pedro disse e não se lembra. E por isso Pedro se sente inteiro, mesmo em pedaços. Porque sem memória, sem passado, Pedro é busca e entrega constante. Busca o gosto do sonho, do impossível, da estrada. O gosto do ar, na janela do carro, fascina. E Pedro segue.

Eu nunca sei se ele volta. Mas quando passa, Pedro me deixa entre a felicidade e a exaustão. Entre o delírio e a verdade. E eu fico aqui, sempre na espera por Pedro, por mim.

9 de abril de 2010

Cala boca, Pedro!

Eu ontem: Ah Pedro. Fala sério. Esse papel em branco aqui é pra quê? Ta louco? Vai escrever.

Ele hoje: Luciana. Meus papeis em branco sobre sua mesa, sob sua cama, são apenas para te lembrar que grito por você. Te grito a liberdade e você insiste em me manter preso, atrás dessas estúpidas esperas que você insiste em contar. Cansei. Esse papo de louco me confunde. Compra um vinho, fica de chinelo. Senta na sacada e observa o vento. Pára. A estrela cadente é coisa de gente decadente. Vai me procurar no bosque. Alias. Pára de me procurar. Estou dentro de você, caramba. Que merda. O carinho não vale? A mão não te segura mais? Tenta de novo. Eu to aqui. A folha em branco é apenas para você me libertar. Tenta agora, no meio do caos. Vai ver como sou azul, da cor que você sempre pinta na janela. Até breve.

Eu hoje: Nossa. Grosso! Fica quietinho ai, na tua! To sem tempo pra ficar te escrevendo. Bendita hora que te trouxe de volta pro meus contos. Pedro infeliz. Não sabe esperar? Que coisa....

da espera

os olhos pedem calma
à alma que corre o rio
de sede, a parede
que consome o ar
no calor sabor do chão
um passo apressado
inquieto dos vícios
de surgir partir ao meio
no contrário da presença
que dói me constrói
com brisa e sonho
para todos os dias vadios
intensos soltos amarrados
do gosto seco de pele arde
que busca encontra inteiro
nas partes, artes de se fazer
contradição oposto extremo
que completam o sentido
do fogo doce que
me consome aos poucos

8 de abril de 2010

Da construção que se faz
tenho apenas uma carta de baralho
que o vento entra e vira pedra
Do que se faz construção
do baralho tenho todas as cartas
que a pedra rolou no vento
Que se construção faz
o baralho que me tem
da pedra que estancou o vento
que libertou o mar

olhe

aqui
do
lado
fora
dentro
lado
aqui
escuta
ta vendo?
aqui!
passou...

7 de abril de 2010

funciona assim

desliga liga desliga liga
desliga liga desliga liga
desliga liga desliga
liga
desliga

eu sou assim,nao vou mudar. Tento, até tento. Mas não depende de mim. Depende do botãocomvidaprópria. Aff. Ligou de novo, botão filho da mãe.

31 de março de 2010

alma brasa

Eu tenho sede de vida. Sede de uma loucura nova a cada dia. De uma paixão, de um projeto, de uma conquista, de um novo desafio. Não sei ficar parada, ficar quieta, ficar calada. Se não falo, se não choro, se não grito de felicidade, diante do mais singelo sorriso, não sou eu. Não sei viver no morno. Não sei viver no calmo. Não sei viver no meio termo. Eu me entrego inteira. Não tenho medo de tropeçar, de cair. E por mais que eu evite magoar alguém, não tenho medo de ousar, de dizer. Quero o hoje, quero o agora. O futuro? Se tiver tempo... Gosto do inteiro, do ousado, do intenso. Sou forte, mas choro. Sou doce, mas grito. Sou fera, mas acolho. Sou espinho, mas sou pura comedia romântica. Sou tudo. Se o projeto é morno, bota la no fim da fila, por favor (se tiver tempo, eu olho). Eu carrego o mundo nas costas, eu chuto o pau da barraca, eu rasgo o verbo. Mas eu amo. Amo tudo o que me cerca, de amor a primeira vista, ao amor incondicional. Sou exagero. Puro. Mas sou feliz assim. Tenho só essa vida. Me acompanha?

19 de março de 2010

Em mim

No pé descalço, o chão frio que me acolhe
No vento molhado, o calor das minhas manhãs de preguiça
Na pele que arde, o conforto das minhas paixões
Na areia que escorre, o tempo de hoje
Na estrada do parque, a busca incansável
No peito que nasce, a dor de ser maior
No meu inteiro, o grito de ser melhor
No meu consolo, o sorriso de ser menina
Nos meus braços, a vontade de se lançar
Na minha dança, o delírio de uma paixão
No meu relógio, a batida perfeita
No meu horizonte, meus detalhes, minha imperfeição e minha inquietude
Nos meus olhos, a sorte do futuro
Na minha esperança, meu dia de hoje
Na minha vida, a felicidade de ser inteira
Na minha alma, a busca constante por mais
Um pouco mais de mim, a cada dia, a cada paixão, a cada hora, a cada segundo.

18 de março de 2010

Crônicas de Pedro - 28

Pedro bate na porta. Ele volta como um bicho feroz, na velocidade do tempo perdido. Tempo vivido intenso, inteiro em todas as suas partes. Eu disse para Pedro tomar cuidado com as palavras, mas é ele quem me responde que as palavras é que devem ter cuidado com ele. No fundo eu sei que são as palavras que cuidam de Pedro. Ele me conta da urgência da vida, do verde preso nos olhos de pedra. Pedro se fez vidro, partiu, quebrou-se para virar rocha. Pedro ficou preso no peito que sempre se entrega. De entregas fáceis, fúteis, mas verdadeiras. Pedro se perdeu entre cartas, textos, esperas e hoje me cobra palavras a todo tempo. Mas eu não as controlo. Saltam aos olhos de vermelho vida, choro, repulsa, conquista. Pedro ficou abafado entre os amores, entre o trabalho, os cheques, o cheque-mate e o jogo da velha. Pedro espera agora os dias da vida urgente, corrida, intensa. Quer procurar seu caminho e se lançar ao mar. Pega seu barco e se coloca à devira nas águas calmas. Nem eu sei pra onde Pedro vai. Ele fica livre nas minhas palavras presas na garganta seca. Pedro sai na sua busca e não me diz se volta. Mas ele sabe que aprendi a viver sem pedra. Que as palavras embalem os sonhos de Pedro. Que a música embale os passos, os desejos e o impulso do pulso com vida, com cor, com cheiros e sabores. Que Pedro deixe a porta aberta para minhas palavras soltas, sem sentido, que teimam em escorrer pelo rio, a levar as maças, a transbordar meu copo e meu corpo. E que Pedro saiba que ele está aqui dentro, que me coloca pra cima, pra dentro de mim. Que ele me deixa feliz por ter voltado, por ter partido, por ter ficado em cada poro, cada pedaço, no meu inteiro.

(Pedro foi criado por mim em 1999, quando eu ainda estava na Faculdade e precisava de um personagem para os meus contos. Foi inspirada nas aulas de Redação e Expressão Oral, do professor Osvaldo Coimbra, que comecei a praticar a liberdade de escrever, fora de formas, de padrões, de contextos, de notícias. Em 2003, deletei todos os textos e cuidei do meu texto mais importante: meu filho. Restou apenas um conto (logo a baixo). Em 2006, numa cerimônia simbólica de batismo na aldeia Bororó, recebi um nome (não, não me arrisco a escrevê-lo em Guarani) que traduzido para o português significa Rocha Forte, que é exatamente o que Pedro é para mim, o que busco ser, apesar das pedras no caminho. Hoje, na busca por me libertar dos sentimentos, me encontrar de verdade e treinar uma nova forma de escrever, Pedro retorna, junto com outras formas, outras cores, outras vontades, outros textos).

Eu declaro

Eu declaro meu amor a borboleta que pousou em minha janela. Declaro meu amor as pequenas coisas, as grandes paixões. Declaro meu amor incondicional ao filho, a quem me dou por inteira, sem reservas. Declaro meu amor ao meu pai maior: o irmão que me ensina os pulos nos tropeços. Declaro meu amor ao meu pai pela metade, na sua forma inteira de me amar. Declaro meu amor a minha mãe, proteção e ponte das minhas inquietudes. Declaro meu amor aos verdadeiros amigos, que me completam nas minhas falhas e mesmo os que me falham quando busco minhas partes. Declaro meu amor aos que me rodeiam, aos que me odeiam, na sua pequenez, na sua incompreensão. Declaro meu amor ao amor que se foi, que me fez vidro quebrado e que me permitiu ser rocha. Declaro meu amor ao fora que dei, ao fora que levei, ao meu perdão constante, fruto da minha memória falha. Declaro meu amor a brasa que pisei, ao calo que me aperta o sapato, a pedra santa de todos os dias que me plantam no caminho. Declaro meu amor ao verde e azul que colorem meu ar. Declaro meu amor ao salgado da lágrima, ao doce do beijo, ao amargo da insensatez, ao azedo da loucura. Declaro meu amor ao meu corpo, a imagem no espelho que me sorri pelas manhas, depois de uma noite inteira de sonhos imperfeitos. Declaro meu amor à tortura do relógio, aos dias corridos e aos dias vagos, na rede, na varanda. Declaro meu amor ao amarelo das paredes, ao vermelho dos seus olhos. Declaro meu amor ao que tenho aqui dentro, ao que dorme no meu travesseiro, ao que carrego na bolsa, sob o sol e sob a chuva. Declaro meu amor ao meu deserto e a minha floresta descoberta. Declaro meu amor ao ser superior, que se coloca sob e sobre mim. Declaro meu amor ao meu amor, ao meu inteiro, a minha metade que me falta e me completa. E assim me declaro a vida, ao chão e ao céu.

17 de março de 2010

Não precisa de sentido não precisa de ponto não precisa de vírgula não precisa de interpretação não precisa de tensão não precisa de tesão não precisa de vontade não precisa de calor não precisa não não precisa de frio não precisa de saudade não precisa é claro loucura não precisa de inveja não precisa não não precisa de devaneios não precisa de incompreensão não precisa de ponto não. Precisa de paixão precisa sim de eternidade precisa sempre de amenidade precisa de vontade de desejo precisa sim precisa precisa de leveza de encontro de cerveja de pão de mel de relógio sem ponteiro de entrega e mais entrega e liberdade.

16 de março de 2010

aprendi

aprendi que escrever liberta e que prometer escraviza
aprendi que se eu perdoo é por pura falta de memória
aprendi que gosto mesmo de me entregar a tudo, com paixão!
qualquer coisa, ideal, motivo, sonho ou ficção merecem meu exagero.
arrisca?

Ao amor que ainda não veio!

 
Eu te esperei desde sempre. Te esperei desde o dia em que me olhei pela primeira vez no espelho e me reconheci menina. Te esperei sentada na varanda, olhando o tempo, perdida entre bonecas e quebra-cabeças. Quando atravessei a cidade para pegar um ônibus e encontrar aquele menino com cheiro de algodão doce. Mas não era você. Te esperei quando atravessei estados e vim parar aqui, nessa cidade grande, calma e egoísta. Quando desenhei no teclado a musica que você gostava. Mas eu ainda não sabia do seu gosto, do seu riso, do seu choro, da sua alegria. Te esperei quando dei meu primeiro beijo. Quando andei de mãos dadas e escondidas. Mãos ingênuas, de sentimento puro, de olhar calmo e curioso. Te esperei quando me descobri mulher pela primeira vez e quando me descobri sozinha logo em seguida. Te desenhei a cada novo amor, nova paixão, nova entrega. Te imaginei mandando flores, ligando no meio da noite, agitado, dizendo do amor maior que você sentia por mim. Te vi pelas ruas, absorto, perdido e encontrado. Te senti alegre, feliz, triste, tranquilo, inteiro. Senti suas dores na perda de alguém, no amor platônico por aquela garota. Te esperei naquele garoto que me prometia o mundo e que me ofereceu dias cheios, mas que logo mandei embora. Mandei para longe porque te sabia perto. Te consolei quando você perdeu o caminho, te dei colo quando você estava no escuro e comemorei com você uma nova cor em seu olhar. Sai de mãos dadas com o vento, te vendo perto. Senti você em meus cabelos, nas minhas mãos, na minha pele. Te senti quando vi meu desespero em descobrir um amor de mentira, num casamento perfeito. Senti seu colo, seu conforto e fiquei calma de novo. Fui te procurar naquele parque, por entre as arvores, no meu deserto. Te procurei no canto do meu quarto quente. Te achei no canto do meu peito, entre esperas e desilusões. Te senti menino e homem. Te imaginei os caminhos, sua vida, seu novo amor, seu trabalho. Te dei motivos, razoes, vida e cor. Te tirei o fôlego, o ar, o pulsar. Te devolvi pra vida, te esperando de novo. E te esperei sempre, no correr das minhas horas soltas e apressadas. Me afastei de você quando encontrei meu destino torto, daquele homem menino do tempo de escola. E te busquei ontem no choro abafado e contido quando ele me dizia que não sabia se me amava. E resolvi te esperar novamente. Imaginei você longe e perto, aqui do lado, aqui dentro, aqui inteiro. Te espero entre lençóis, entre papeis, sorvete, pipoca e cheiro quente de leite fervido. No doce do amargo chocolate. No riso do meu filho único, do meu amor incondicional. Te desejei com pressa, pra ontem, pra agora. Mas eu sei que você anda por ai e me espera também. Eu sigo meus dias completos porque sei que você está ai, do lado de fora da porta, esperando o sinal do sangue estancado no meu peito, da ferida esquecida. Eu sei que você me quer completa, inteira, com cores, com esse sorriso de menina que nunca cresce. Te espero para amanha, com o café pronto, o cabelo solto na manha de domingo, na preguiça e na loucura, na sanidade e na entrega. Te esperei ontem e te espero amanha. Eu espero o amor que ainda não veio. Saia do meu sonho, bata na porta devagar, entre vazio e se entregue ao meu amor maior.

de volta


me sinto cheia e preciso esvaziar meu copo.
enche-lo de café.
que bom estar de volta aqui.
descarregar a alma e os olhos.
o conforto pra mente e pro coracão. esse nao muda.
esse é sempre assim, entregue.
que bom estar de volta.