18 de março de 2010

Crônicas de Pedro - 28

Pedro bate na porta. Ele volta como um bicho feroz, na velocidade do tempo perdido. Tempo vivido intenso, inteiro em todas as suas partes. Eu disse para Pedro tomar cuidado com as palavras, mas é ele quem me responde que as palavras é que devem ter cuidado com ele. No fundo eu sei que são as palavras que cuidam de Pedro. Ele me conta da urgência da vida, do verde preso nos olhos de pedra. Pedro se fez vidro, partiu, quebrou-se para virar rocha. Pedro ficou preso no peito que sempre se entrega. De entregas fáceis, fúteis, mas verdadeiras. Pedro se perdeu entre cartas, textos, esperas e hoje me cobra palavras a todo tempo. Mas eu não as controlo. Saltam aos olhos de vermelho vida, choro, repulsa, conquista. Pedro ficou abafado entre os amores, entre o trabalho, os cheques, o cheque-mate e o jogo da velha. Pedro espera agora os dias da vida urgente, corrida, intensa. Quer procurar seu caminho e se lançar ao mar. Pega seu barco e se coloca à devira nas águas calmas. Nem eu sei pra onde Pedro vai. Ele fica livre nas minhas palavras presas na garganta seca. Pedro sai na sua busca e não me diz se volta. Mas ele sabe que aprendi a viver sem pedra. Que as palavras embalem os sonhos de Pedro. Que a música embale os passos, os desejos e o impulso do pulso com vida, com cor, com cheiros e sabores. Que Pedro deixe a porta aberta para minhas palavras soltas, sem sentido, que teimam em escorrer pelo rio, a levar as maças, a transbordar meu copo e meu corpo. E que Pedro saiba que ele está aqui dentro, que me coloca pra cima, pra dentro de mim. Que ele me deixa feliz por ter voltado, por ter partido, por ter ficado em cada poro, cada pedaço, no meu inteiro.

(Pedro foi criado por mim em 1999, quando eu ainda estava na Faculdade e precisava de um personagem para os meus contos. Foi inspirada nas aulas de Redação e Expressão Oral, do professor Osvaldo Coimbra, que comecei a praticar a liberdade de escrever, fora de formas, de padrões, de contextos, de notícias. Em 2003, deletei todos os textos e cuidei do meu texto mais importante: meu filho. Restou apenas um conto (logo a baixo). Em 2006, numa cerimônia simbólica de batismo na aldeia Bororó, recebi um nome (não, não me arrisco a escrevê-lo em Guarani) que traduzido para o português significa Rocha Forte, que é exatamente o que Pedro é para mim, o que busco ser, apesar das pedras no caminho. Hoje, na busca por me libertar dos sentimentos, me encontrar de verdade e treinar uma nova forma de escrever, Pedro retorna, junto com outras formas, outras cores, outras vontades, outros textos).

Um comentário:

Marcia Scherer disse...

Seja bem-vindo, Pedro